Cada pessoa, urgentemente, se dedique à construção de um mundo aberto – é o que pede o Papa Francisco, com o título do terceiro Capítulo da Carta Encíclica Todos Irmãos. O Papa adverte sobre a condição atual da humanidade, fechada em sombras. Indica que é preciso agir a partir de valores e princípios abrangentes, a exemplo daqueles que são cultivados pelos cristãos – e não ancorar-se em algumas “bandeiras” que alimentam riscos de obscurantismos e polarizações. Essas “bandeiras” têm servido para justificar escolhas políticas equivocadas e discursos inflamados – embora sem consistência -, que desviam a humanidade da meta de se construir um mundo aberto. Por isso, é preciso apurar bem as percepções sobre as sombras de um mundo fechado para se articular uma reação.
Não se pode esperar, ingenuamente, que o rumo novo capaz de levar a civilização contemporânea a um mundo aberto seja indicado pelos que hoje governam a humanidade. Voltando o olhar para a realidade política brasileira, facilmente se convence de que não se pode fundamentar a esperança na política partidária, salvaguardada a sua própria prerrogativa e o seu papel no sistema democrático. O contexto político-partidário sofre com a falta de cidadãos humanisticamente preparados, o que leva prejuízos ao exercício da autoridade política. Consequentemente, as expectativas e necessidades da sociedade não são correspondidas, pois a prioridade nas instâncias de decisão são as barganhas, envolvendo cargos ou benesses com o dinheiro público. Ficam em segundo plano as reais necessidades da população, a exemplo do combate às desigualdades sociais, cada vez mais expostas, verdadeiras feridas agravadas na pandemia, sinalizando má gestão pelas autoridades na atual crise.
A fome de uma parcela cada vez maior de brasileiros, sem poder contar com o mínimo necessário para sobreviver, revela que não há prioridade na busca por soluções, consequência da falta de sentido social e lucidez das autoridades. Diante da incapacidade para gerar as mudanças esperadas, o poder público oferece respostas inadequadas, justificativas primárias, muito comumente agindo com agressividade. Patenteia, assim, a incompetência nos desempenhos políticos e administrativos. Cada vez mais empurra a sociedade para situações insustentáveis.
Ao atual cenário político acrescenta-se o modelo econômico vigente, com princípios que geram morte, a serviço de grandes fortunas que detêm, sem necessidade, aquilo que falta na mesa dos famintos. Nessa economia regida pelo egoísmo, muitos se preocupam apenas com o aumento das próprias remunerações, permanecendo indiferentes ante as dores dos pobres. Os cristãos, aliados aos segmentos sérios, devem se distanciar das muitas formas de mesquinhez, alimentadas pelo egoísmo e pela soberba, para ajudar, unidos, na construção de um mundo aberto. Esse mundo aberto, conforme orienta o Papa Francisco, é alcançado quando se vive, efetivamente, o Evangelho. Os cristãos precisam se entrincheirar, com as diferenças enriquecedoras que o Evangelho permite e fecunda, sem contradições e antagonismos. Devem dar as mãos, construindo comunidades abertas, marcadas pela misericórdia do acolhimento e pelo exercício do diálogo.
A comunidade cristã não pode estar à disposição para defender o indefensável, não pode pautar a sua vida, seus entendimentos e escolhas a partir do medo e de preconceitos. Ao contrário, precisa lutar contra ideologias nefastas que buscam demolir os valores do Evangelho. Isso significa buscar superar políticas retrógadas que nada contribuem com o bem comum. Os cristãos, em diálogo com a sociedade pluralista, estão desafiados a não se satisfazer com a política que se constrói a partir dos vícios históricos do universo partidário.
É hora de se investir em uma política nova, alicerçada em valores e práticas fundamentadas no inegociável princípio da solidariedade. Assim, poderão surgir representantes do povo capazes de cumprir, adequadamente, com seus deveres, e de fazer da própria vida uma oferta à sociedade. Os descompassos sociais não serão vencidos pelas mãos de quem os produz e os alimenta, mas a partir da crescente convicção de que é preciso superar as sombras de um mundo fechado, pela iluminação do esperado e querido mundo aberto.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).