Recentes tormentas tumultuam o tempo presente. Pela primeira vez em sua história, o Congresso dos Estados Unidos foi invadido por uma multidão de fanáticos. Eles foram instigados pelo então presidente da República e estavam convencidos de que a eleição presidencial foi fraudada. Semanas antes no Brasil, o presidente deste país alertou publicamente para os riscos da vacina contra Covid-19: a pessoa pode virar jacaré. Em que pese o tom irônico da afirmação, quantos milhares ou milhões de pessoas não deixarão de tomar a vacina por isso, expondo-se à morte estupidamente? São tempos de fake news, de informações falsas amplamente divulgadas, em que o apelo emocional com alto grau de persuasão atrai mais a atenção de certas pessoas do que fatos objetivos. Estes são ignorados na argumentação ou na persuasão. É a chamada cultura da pós-verdade, que se alimenta da descrença generalizada na ciência e em seus métodos de verificação da realidade, acessíveis apenas à uma parcela da sociedade e gerando desconfiança em outra parcela considerável. A verdade é uma planta frágil e ameaçada, mas só ela protege desses males que incluem o negacionismo suicida.

Em 2005, na missa de abertura do conclave que o elegeria papa, o então cardeal Ratzinger alertou para o relativismo, em que o deixar-se levar aqui e ali por qualquer vento de doutrina aparece como a única atitude à altura dos tempos atuais. Vai-se constituindo uma “ditadura do relativismo”, que nada reconhece como definitivo e que deixa como última medida apenas o próprio eu e suas vontades. Isto se aplica perfeitamente às fake news, tanto na má fé dos que as produzem e difundem quanto na ingenuidade dos que as aceitam.

Algumas semanas depois da eleição do papa Bento XVI, o cardeal Martini celebrou a missa da Ascensão do Senhor na catedral de Milão. Pregou sobre a esperança cristã de que o Reino de Deus venha, não apenas quase imperceptível na história, mas na sua manifestação total e definitiva. E afirmou que há um “relativismo cristão”, que é entender todas as coisas em relação ao momento em que a história será abertamente julgada. Então as obras dos homens aparecerão com seu verdadeiro valor. O Senhor será o juiz dos corações, e cada um receberá dele o seu devido louvor. Não se estará mais sob aplausos e vaias, aprovação ou desaprovação de outros. Será o Senhor a dar o critério último e definitivo da realidade deste mundo. Cumprir-se-á o julgamento da história e se verá quem tinha razão. Muitas coisas se esclarecerão, se iluminarão e se pacificarão, também para aqueles que ainda sofrem neste mundo, envolvidos na obscuridade, ainda sem compreender o sentido do que lhes acontece. É a partir do momento culminante em que a história será julgada por Deus, que o ser humano é convidado a interpretar a sua pequena história de cada dia. A história não é um processo infinito envolto em si mesmo, sem sentido e desembocando no nada. É algo que Deus mesmo reunirá, julgará e pesará com a balança de seu amor e de sua misericórdia, mas também de sua justiça.

Esta esperança se baseia no apóstolo Paulo: quando o Senhor vier, vai pôr às claras tudo que se esconde nas trevas e vai manifestar as intenções dos corações. Então, cada um há de receber de Deus o louvor que lhe corresponde (1 Cor 4,5). Com este relativismo cristão, pode-se enfrentar o presente sombrio da pós-verdade e a ameaça destruidora das fake news. Estas não terão jamais a última palavra sobre a existência humana. A pequena história de cada dia de quem luta por verdade e justiça tem um horizonte de eternidade.

 

Luís Corrêa Lima – Padre jesuíta e professor do Departamento de Teologia da PUC-Rio