No Brasil, o Dia de Ação de Graças, instituído pelo governo brasileiro, não tem a mesma importância que tem nos Estados Unidos. Lá a data é celebrada desde o século XVII e é feriado. A cada ano, governo e sociedade consagra a quarta quinta-feira de novembro para agradecer a Deus as suas vitórias. O agricultor agradece a Deus a boa colheita; assim como o comerciante, a prosperidade do comércio. Quem ganhou nas recentes eleições deve estar agradecendo a vitória. A ação de graças pode ser coletiva, mas por vitórias individuais ou de grupos que se sentem protegidos. Pouco importam os outros.

Em meio a uma sociedade de milhões de pessoas que não garantem nem o pão nosso de cada dia, alguém sai às ruas com um carro de luxo no qual está escrito “Este carro foi Jesus que me deu”. Os mais bem sucedidos agradecem a Deus os seus ganhos e convencem os que perderam que, se não ganharam foi porque não mereciam. Nos séculos passados, os senhores agradeciam pela quantidade de negros que tinham conseguido comprar e pelos territórios indígenas que tinham roubado das tribos originais. Até hoje, esta ação de graças está expressa nas palavras escrita nas células do dólar e reproduzida em alguns bancos e estabelecimentos comerciais – “Nós confiamos em Deus”.

Para quem tem algum senso crítico, esta religião civil tem pouco a ver com o Evangelho. Por isso, no nome do mesmo Jesus, irmãos e irmãs de várias Igrejas combatem o armamentismo espalhado pelo país, o imperialismo do governo e a falsa ética cristã da sociedade dominante.

No Brasil, em 1965, um ano depois do golpe militar pelo qual tomou o governo, o presidente Castelo Branco determinou a celebração nacional do Dia de Ação de Graças, na mesma data dos Estados Unidos e encarregou o Ministério da Justiça de coordenar esta celebração. Um Deus que legitima iniquidade não é o Deus de Jesus. Conforme a Bíblia, “oferecer a Deus orações e ofertas baseadas em injustiças, é como tirar a vida de um filho imaginando que assim se agradaria ao pai” (Eclo 34, 18 ss).

É verdade que 2020 tem sido um ano de muitos desafios e de imensos sofrimentos para toda a sociedade. Como o papa Francisco chamou a atenção em sua carta encíclica Somos todos irmãos e irmãs, a pandemia pôde ceifar mais vidas e trazer mais sofrimentos porque a maioria dos países tinha desarticulado o seu sistema público de saúde e a solidariedade internacional quase não funcionou. O vírus contagia, por igual a pobres e ricos. No entanto, encontra mais vítimas entre as pessoas que vivem amontoadas em habitações irregulares, sem saneamento básico, sem acesso à água potável e sem condições mínimas de se protegerem.

De todo modo, temos muitos motivos para dar graças e para reconhecer a ação divina atuando na nossa vida. A ação de graças é boa e deve ser uma atitude permanente de quem crê, mas só se nos deixamos realmente mover pelas orientações de amor do Espírito de Deus. Podemos agradecer a resistência cotidiana do nosso povo, os gestos e manifestações de solidariedade que crescem nas periferias e nos ambientes humanos mais desafiadores. Podemos agradecer o fato de que ainda quando a realidade parece sem saída, optamos sempre por alimentar a esperança.

Quem procura ligar fé e vida aprende a discernir nos acontecimentos do dia a dia os sinais da presença íntima e discreta do Espírito que atua através das pessoas que aceitam ser instrumentos da atuação divina. Mesmo no meio das situações mais adversas, é possível esperar contra tudo o que seria a expectativa normal. A realidade é, de fato, problemática. No entanto, optamos por crer. Por isso vivemos a esperança da realização do projeto divino no mundo e ninguém poderá nos roubar a confiança de que o reino de Deus virá. Isso se concretizará aqui e agora, no fato de que outro mundo será, sim, possível. Conforme o apóstolo, essa esperança tem três características: não se corrompe, não se desgasta, nem se dilui (1 Pd 1, 3- 12). Ela nos convoca a nos manter unidos/as em comunidades e a antecipar nos sinais da celebração litúrgica aquilo que queremos viver no dia a dia do mundo: a comunhão.

A cada ano, quatro semanas antes do Natal, portanto, a partir do próximo domingo, as Igrejas cristãs mais antigas começam um novo ciclo de celebrações que formam o chamado “ano litúrgico”, com o tempo chamado “Advento”. Seu objetivo é preparar a festa do Natal e realimentar nas pessoas a esperança da realização do projeto divino de paz e justiça eco-social aqui e agora.

 

Marcelo Barros
Monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adora os movimentos populares e especialmente o MST.