Apoiar a causa negra em redes sociais é legal, mas como as companhias podem ir além disso?
A realidade das empresas é incompatível com o discurso. Desde a morte brutal de George Floyd nos EUA, sufocado por um policial branco no fim de maio, o mundo passou a discutir o racismo e como ele afeta a população negra.
A repercussão do caso foi tamanha que grandes empresas passaram a fazer o chamado ativismo de marca, quando companhias se posicionam a favor de uma causa. Neste caso, condenando a discriminação racial com posts em redes sociais ou anunciando doações em dinheiro para instituições ligadas à causa negra.
Os atos em si não são ruins —até porque há diversas instituições sérias trabalhando na questão racial—, mas os dados no Brasil mostram que há grande incompatibilidade entre o discurso e a realidade dessas empresas.
Grande prova dessa incoerência é a proporção de funcionários negros nessas companhias, sobretudo em cargos de liderança.
Segundo pesquisa do Instituto Ethos (entidade que auxilia companhias a gerirem seus negócios de forma socialmente responsável), feita com as 500 principais organizações do país em 2016, o quadro é de desigualdade e sub-representação. A grande maioria delas não tem medidas para ampliar a presença de negros em nenhum nível hierárquico.
A diversidade melhora resultados financeiros, segundo pesquisa. O que talvez chame mais atenção é que a diversidade impulsiona os resultados financeiros. Um estudo da consultoria McKinsey, feito em diversos países, inclusive o Brasil, mostra que companhias com diversidade cultural e étnica tiveram desempenho financeiro 36% maior em 2019 que aquelas que não têm tais políticas.
O problema também pode ser visto de forma mais pragmática ao analisar a importância deste público. A maioria da população brasileira é negra, mais especificamente 55,8% do país, segundo o IBGE —o instituto considera como população que negra a soma entre quem se declara preto (9,3%) e pardo (46,5%).
Não só é a parcela majoritária no país, como também um grande público consumidor. De acordo com Instituto Locomotiva, este público movimenta R$ 1,7 trilhão por ano.
Por que há poucos negros nas empresas? Voltando aos dados da pesquisa do Instituto Ethos, foi constatado que na gerência e em quadros executivos, os negros (pretos e pardos somados) são 6,3% (0,6% pretos; 5,7% pardos) e 4,7% (0,5% pretos; 4,2% pardos), respectivamente.
Em comparação, existe uma presença maior de negros atuando nas empresas como aprendizes e trainee, que representam, em ordem, 57,5% (12,2% pretos;45,3% pardos) e 58,2% (2,5% pretos; 55,7% pardos).
No quadro funcional, a porcentagem é de 35,7% (7% pretos; 28,7% pardos).
Portanto, existe um funil: quanto maior o cargo, menor a presença de negros.
O racismo estrutural e falta de investimentos prejudicam negros. O primeiro motivo tem relação com o racismo estrutural, afirma Heloise da Costa, analista de Ações Afirmativas do Instituto Identidades Brasil. Se você não é familiar com o termo, ele consiste na existência de sociedades baseadas na discriminação que privilegiam certas raças em detrimento de outras.
No Brasil, por exemplo, apesar da abolição da escravidão, a população negra demorou para ter direitos e acesso à educação e emprego.
Fora isso, há ainda uma falta de zelo para com esses trabalhadores em estágio iniciais.
Negros têm menos acesso a estudo, historicamente. A falta de formação educacional também é vista como um motivo, porém, a questão aqui é mais complexa. Historicamente, a população negra teve menos acesso ao estudo, seja por falta de dinheiro ou oportunidade mesmo.
Para ter uma ideia disso, segundo dados da Pnad 2019 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), em 2018, o tempo médio de estudo de pessoas com 25 anos ou mais era de 10,2 anos entre brancos (10,1 anos para homem branco e 10,4 anos para mulher branca) e 8,3 anos entre pretos ou pardos (8,1 para homens pretos ou pardos e 8,6 anos para mulheres pretas ou pardas).
Esta tendência tem mudado nos últimos anos com o aumento do acesso ao ensino superior e políticas de reparação afirmativas, como o Prouni (Programa Universidade Para Todos), que existe desde 2014 e conta com reservas de cotas raciais, além de iniciativas em universidades públicas.
O relatório Desigualdades Raciais por Cor ou Raça no Brasil, divulgado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas) em 2019, informa que a proporção de jovens negros de 18 a 24 anos no ensino superior passou de 50,5%, em 2016, para 55,6%, em 2018. O levantamento mostrou que a proporção de pretos e pardos cursando o ensino superior em instituições públicas foi de 50,3% em 2018.
O que as empresas podem fazer na prática na luta contra o racismo? Posts em redes sociais à parte, se as empresas quiserem auxiliar na luta contra o racismo, o diagnóstico mais simples é o teste do pescoço: dê uma olhada ao seu redor e veja quantas pessoas negras têm. Veja o que fazer para ser uma empresa antirracista:
1. Definir metas, prazos e indicadores sobre desigualdade racial
2. Ensinar aos funcionários o que é racismo e como combatê-lo
3. Recrutar funcionários fora do seu círculo social
4. Criar políticas de inclusão dos colaboradores negros
5. Punir comportamentos racistas
6. Criar comitês para fomentar a diversidade
7. Investir na formação de lideranças negras
Guilherme Tagiaroli – UOL