Os maiores desafios deste tempo emolduram o Setembro Amarelo com rostos sem luz e sorrisos opacos, pois a vida está ainda mais ameaçada. Sentimentos e emoções se embaraçam diante do peso que recai sobre a humanidade. Não há sinais promissores de que a civilização contemporânea avançou na aprendizagem sobre os cuidados com a vida. É preciso, assim, progredir na ciranda do bem viver e do bem-querer – os trilhos sobre os quais a vida transcorre, de estação em estação, até chegar ao seu destino final. Uma viagem que exige o domínio da arte de cuidar, a partir do reconhecimento de que a vida é dom e responsabilidades.

Viver é inscrever-se em um contínuo caminho de lições, conforme bem assevera o ditado popular “vivendo e aprendendo”. Essa constatação ainda se confirma quando pessoas mais vividas manifestam surpresa diante de um acontecimento e dizem: “pensei já ter visto de tudo”. A vida é dom de riqueza inesgotável e, por isso mesmo, sempre apresenta novas lições. Todos são aprendizes, desafiados a superar muitas provas. Sejam oferecidas as condições para que cada pessoa possa superá-las. Para os cristãos, o Evangelho de Jesus Cristo é referência fundamental que leva a aprendizados condizentes com o dom de viver. A gramática do Evangelho da Vida congrega princípios e metas, códigos e experiências, lições e ensinamentos, partindo sempre da cláusula pétrea: o dom da vida é inviolável, merece cuidados e todas as condições para se desabrochar. Nesse sentido, o Evangelho ensina que o bem-querer, traduzido em gestos de amor ao próximo, é indissociável do bem viver.

Importante considerar também que o dom inviolável da vida, para ser protegido, exige constante reflexão sobre as emoções e as dores carregadas no coração humano. São essas emoções e dores que sustentam a vida de cada um. Por isso, saber reconhecer e lidar com os próprios sentimentos é uma importante forma de sabedoria, uma ciência sobre o viver. Distanciar-se da reflexão sobre os próprios sentimentos muito contribui para não se enxergar sentido na vida. E são terrificantes, embora não raramente distantes da luz midiática, as estatísticas dos que desistem de viver, com preocupante aumento de vítimas entre jovens – o futuro de uma humanidade que precisa renovar-se para não se declinar. Muita gente está sem forças para continuar vivendo, e ajudar na edificação de um mundo mais justo, solidário e fraterno. Consequentemente, as estatísticas sobre o suicídio podem revelar número de mortes semelhante ao de pandemias.

Dentre as renovações urgentes está a necessidade de se superar desigualdades sociais que representam graves ameaças à vida humana. A opacidade amarela deste mês de setembro alerta que a vida, embora seja dom precioso, é constantemente ameaçada. São, pois, muito necessárias políticas públicas com força e velocidade para debelar os processos que levam à destruição das vidas. O comprometimento da qualidade do bem-querer tem forte incidência sobre o bem viver. E o adoecimento planetário ambiental contracena com o adoecimento emocional humano. É preciso sublinhar a responsabilidade de se investir nos sentimentos que modulam a vida, com iniciativas que qualifiquem a dimensão emocional da humanidade, especialmente a partir da contribuição da espiritualidade. Isso permite cultivar o equilíbrio assentado em valores humanistas que possibilitem redimensionar critérios, juízos e escolhas.

Corajosamente cada pessoa deve dedicar atenção aos sentimentos, buscando o diálogo, com disposição para escutar e oferecer afeto. Famílias sejam mais atentas e aconchegantes. Escolas tornem-se mais interativas, inspirando nos alunos a sensação de pertencimento. Igrejas busquem ser cada vez mais sensíveis às dores humanas, garantindo a espiritualidade e as palavras que devolvam esperança. Todos se dediquem a edificar uma sociedade que seja livre das indiferenças, sem idolatrias e hegemonias mesquinhas, aprendendo lições como esta, partilhada por Cora Coralina: “Não sei se a vida é curta ou longa para nós, mas sei que nada do que vivemos tem sentido se não tocarmos o coração das pessoas. E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas que seja intensa, verdadeira, pura enquanto durar.” Eis a compreensão necessária: alcançar pela força do bem-querer o necessário bem viver.

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).