A posição do ministro da Justiça a respeito da greve do dia 28 de abril deixa um sinal de inquietação. Um sinal comparável à nota que o Planalto soltou no mesmo dia.
Não houve uma leitura razoável dos acontecimentos, que não quiseram ou não puderam realizar. A avaliação do governo mostrou-se claudicante e ineficaz.
Com a popularidade próxima do zero, o senhor Temer tem como certo que, quanto mais isolado, tanto mais forte se encontre e apto a fazer as reformas.
O governo age sem diálogo, numa atônita corrida na Câmara, mediante pedidos de urgência e manobras regimentais de que é mestre o senhor Cunha, ainda muito apreciado na política nacional através de seus discípulos e amigos, para não usar outros adjetivos.
Não há uma engenharia mínima de diálogo e debate por parte do governo. Os atuais inquilinos do Planalto trabalham há muitos anos dentro dos bastidores, nas sombras e nas vísceras do partido, nas frestas do aparelho de Estado.
Cresceram na velha política, sob formas patrimonialistas que a Lava-Jato revelou ao país, herdeiros de acordos secretos e ambíguas negociações, temerosos frente ao embate das ideias e ao projeto de Brasil de que são carentes.
A política do senhor Temer funcionaria de modo razoável em passadas eras, quando a ideia de povo não era mais que uma abstração ou, quando muito, súdito de uma ordem que se impunha de cima para baixo, por parte daquele que veio salvar o país.
Os que se opõem a seus desígnios são os inimigos da pátria, a serviço do demo. Para o Planalto, fora da aliança PMDB/PSDB não há salvação. Tudo mais é detalhe e obstáculo fora do jogo.
Brasília não percebe que a dimensão representativa da política perdeu sua qualidade absoluta, mostrando-se hoje mista, direta e representativa, ao mesmo tempo, e aqui falham os políticos mais sensíveis ao fisiologismo, que ainda não alcançaram a noção de esfera pública.
Pode ser que o governo acredite que a volta às Ordenações Filipinas e ao Código de Hamurabi sejam grandes passos rumo ao futuro, cortando os laços com a CLT, que é de 1943, modificada, muito embora, ao longo das últimas décadas, em mais de 80% de seu conteúdo.
O governo poderia até mesmo defender a escravidão temporária por dívidas, provando ser mais vantajosa que os juros do cheque especial. Tudo isso, no entanto, precisaria passar no mínimo pelo crivo das urnas, de um referendo ou plebiscito.
Obviamente, isso não vai acontecer, pois o governo tem pressa e não parece acreditar na democracia plena, ao negar uma realidade que desconhece e vai bater às portas de programas populares a fim de transmitir “sua” verdade, em vez de buscar o debate com a sociedade organizada, que não se limita ao Congresso.
O dia 28 foi o aviso de um grande mal-estar. Seria preciso indagar o que se passa e propiciar uma atmosfera de diálogo. Ou simplesmente fechar os olhos para a comoção social que se faz sentir incontornável em nosso país.
Marco Lucchesi
Premiado poeta, escritor, romancista, ensaísta e tradutor, sétimo ocupante da cadeira nº15 da Academia Brasileira de Letras.