É evidência dos descompassos do poder o anseio social por diferentes reformas. De um modo geral, a busca é por uma reconstrução democrática, participativa, igualitária, que reconheça a importância de todos na edificação de uma sociedade renovada. Exercer o poder, de modo qualificado, não é simplesmente cumprir protocolos ou atuar no domínio das aparências. Exige capacidade para escutar, dialogar, cultivando proximidade e integração. Para além de ideologias político-partidárias, fundamental é um arcabouço humanístico sustentado em princípios morais e éticos inegociáveis. Sem essa base, perpetua-se um cenário de “bate-cabeça”, revelador de um oceano de decisões equivocadas.
Os descompassos de poder trazem consequências tão graves para a sociedade que, se fossem debelados agora, ainda trariam prejuízos para gerações futuras. Essa constatação pode parecer fruto de pessimismo, mas deveria ser compreendida como um alerta: é preciso eliminar dinâmicas que geram injustiças, exclusões, polarizações e disputas violentas. O exercício do poder na vida cotidiana, na ocupação de cargos em órgãos governamentais, legislativos, judiciários, no contexto religioso, familiar ou no trabalho, exige irrestrito respeito à dignidade humana. Assim são construídas relações solidárias e verdadeiramente civilizadas.
Merece especial atenção o que vem ocorrendo nas redes sociais, que têm potencial para promover aproximações, ser força construtiva, mas também são utilizadas, insanamente, como ferramentas para destruição. Muitos se apropriam do poder das redes e se dedicam a espalhar mentiras, revestindo-se de uma autoridade e de uma convicção que os fazem parecer comprometidos com a verdade. Assim conseguem enganar as pessoas, revelando, ao mesmo tempo, a estreiteza de suas mentalidades e ideologias. Cometem crimes, contribuindo para estabelecer o caos. E cedo ou tarde, essas pessoas que se apropriam de modo inadequado do poder das redes sociais serão vítimas da situação que ajudaram a criar.
Não se pode cultivar tranquilidade diante das mais diferentes manifestações dos descompassos do poder, bomba-relógio que a sociedade contemporânea tem no próprio coração. Alguns acumulam poder demais, alimentando e sustentando ditaduras de variados tipos. Emperram processos, validam decisões tomadas às escuras ou motivadas por interesses pouco nobres. Agem na contramão da necessária participação cidadã. Também é muito lamentável e perigoso o exercício descompassado do poder emoldurado por validações religiosas. A religiosidade não pode ser submetida a interesses desalinhados com o bem de todos, em contextos de espetacularizações abomináveis e confusas, na direção oposta à do diálogo respeitoso e cooperativo, balizado pelos valores do Evangelho de Jesus.
O atual momento histórico requer investimentos em uma renovada concepção a respeito do que é poder, circunscrevendo seu exercício à promoção da dignidade de cada pessoa. Nesse caminho, nenhuma indicação supera o ensinamento de Jesus: o entendimento de que o exercício do poder é serviço, e grande é aquele que serve. Cristo é Filho de Deus, mas seu poder não se relaciona à capacidade de destruir ou de vencer, estabelecendo a submissão dos outros. Ao contrário, é poder que salva e resgata. Jesus é o Rei que serve e ensina a servir.
Oportuno é, pois, compreender que o verdadeiro exercício do poder não é simplesmente se revestir de autoridade para tomar decisões parciais que impactam a vida dos outros, nem se relaciona à capacidade de promover verdadeiros massacres a partir das redes sociais. O adequado exercício do poder remete à capacidade para promover relações autenticamente novas com outras pessoas, marcadas pela presença de Deus. Seja esse entendimento o ponto de partida para evitar que a humanidade naufrague, submersa nos desvarios e irracionalidades de exercícios descompassados, delinquentes e patológicos do poder.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).