A sociedade sofre graves consequências quando o parâmetro da mediocridade preside o desempenho de tarefas, missões, exercícios profissionais e deveres cidadãos. Os prejuízos são incalculáveis nos âmbitos da economia e da cidadania, com impactos negativos que atrasam terrivelmente o desenvolvimento integral e retardam os avanços necessários para que a sociedade possa trilhar novos caminhos. Cumprir bem o próprio papel é uma tarefa desafiadora que exige pré-requisitos adquiridos na esfera pessoal: talentos, qualidades e capacidade técnica, além dos princípios éticos e morais que alimentam o altruísmo e proporcionam a lucidez para solucionar problemas, vencer desafios. Esses requisitos possibilitam o uso racional do tempo e de outros recursos, permitem reconhecer a prioridade do bem comum e do crescimento igualitário de todos os cidadãos.

A corrosiva mediocridade que emoldura o exercício de papéis, inclusive o cumprimento de tarefas e responsabilidades profissionais, é entrave para o avanço social. Com frequência, percorre-se longo caminho em busca de soluções e de respostas, investe-se dinheiro, tempo e outros recursos de maneira pouco exitosa. Insucesso que advém, exatamente, da falta de clareza e de competência analítica no cumprimento do papel de gestor público, privado ou comunitário. Constata-se que certas pessoas têm facilidade apenas para construir discursos, muitas vezes para simplesmente embolar relações, produzir sombras que inviabilizam diálogos. Desconsideram, assim, que as relações têm, em si, a prerrogativa de clarear rumos e definir acertadamente as direções.

A competência analítica não é característica necessária apenas aos consultores, analistas e acadêmicos. Deve ser partilhada por todos e se consolidar como valor cultural. Um valor que permeia o conjunto dos hábitos e das atitudes, possibilitando a constituição de cidadãos habilitados para analisar situações, propostas e projetos; pessoas qualificadas para discernir bem e serem capazes de decidir adequadamente. Oportuno é lembrar que as escolhas, individuais e institucionais, são determinantes na definição dos rumos de uma sociedade. E, lamentavelmente, é comum ver problemas que se arrastam, geram atrasos e desgastes pessoais, em razão da falta de competência analítica nos processos de leitura e interpretação da realidade. Quando não se dá conta nem da própria tarefa, cumprindo-a de maneira medíocre, as perdas não ocorrem somente no âmbito individual, pois toda a sociedade partilha os prejuízos. Por isso, é importante cumprir o próprio papel a partir de motivações que ultrapassem a simples remuneração financeira. Afinal, os corações estão eivados por medidas e vetores sustentados por uma desenfreada busca pela acumulação de riquezas e, por isso, as pessoas nunca estão satisfeitas com o dinheiro que recebem. Para corrigir esse descompasso, vale se colocar no lugar dos mais pobres e dos que vivem na penúria. Certamente, é um remédio para debelar tudo o que atrapalha o princípio da solidariedade, fundamental nas relações sociais e políticas.

Há uma avalanche de dados e situações que precisam ser mais considerados no tecido social e político de uma sociedade para superar a cultura da mediocridade, o gosto patológico pela burocratização desnecessária, o entendimento infeliz de que o importante é apenas o próprio bem, ou de um pequeno grupo. O bem só para alguns é similar a uma ilha em constante ameaça, cercada por territórios marcados pela violência, desmandos, incivilidades e pela ruína de patrimônios. Por isso, cada pessoa é convidada a se compreender como parte de uma realidade mais ampla, a sociedade é fruto da articulação de suas partes. E o não cumprimento adequado do próprio papel é fonte de prejuízos incalculáveis para todos, que afetam a qualidade de vida, a economia, a saúde e a segurança pública, os mais diversos setores.

Superar o grave problema cognitivo e ético que impede cada pessoa de se perceber como parte de um conjunto maior, considerando que a sociedade é a união de suas partes, é um urgente desafio. Todas as pessoas, no exercício competente, inteligente e esforçado de seu papel, têm decisiva importância na articulação dos elementos que integram o tecido social. Cada indivíduo deve ser elo indispensável e determinante que assegura as condições saudáveis para o bem viver de todos, o desenvolvimento sustentável.

Nesse sentido, são necessários investimentos em processos educativos que qualifiquem o exercício da cidadania. E isso não pode se restringir somente ao território da educação formal, pois se relaciona a uma dinâmica formativa mais ampla: o cultivo, em todas as pessoas, da disposição para cumprir bem o próprio papel. Na lista grande de requisitos para a qualificação cidadã não pode faltar a humildade, a superação da ganância, a sensibilidade com a dor dos mais pobres. Para além dos discursos e promessas, o importante é fortalecer o amor à própria nação e lutar por uma cultura civilizada, que se oriente nos parâmetros do bem comum. Tudo muda e tudo avança quando se cumpre bem o próprio papel.

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).