Parece unânime a convicção de que os Jogos Olímpicos, recentemente encerrados, deixaram legados importantes para o conjunto da sociedade. Avanços que contam até mais que a infraestrutura conquistada pelo alto investimento, pois esses benefícios são restritos a uma pequena parte da população. Quando se considera a realidade do Brasil, de maneira ampliada, os legados mais importantes se inscrevem nas lições que, de agora em diante, precisam ser aprendidas e praticadas para ancorar o conjunto desta sociedade numa envergadura à altura do que o povo precisa e merece. Das muitas experiências, conquistas e festas celebradas, vem a consciência de imperiosas necessidades: enfrentar as barreiras na cultura que impedem avanços em direções inventivas e audaciosas, eivadas do sentido do bem comum; derrubar bloqueios que enfraquecem o senso de pertencimento e dificultam a operacionalização de funcionamentos que conduzam, com velocidade maior, a sociedade brasileira rumo ao desenvolvimento integral.

Essas exigências, de avanços e novas conquistas, perpassam as lições deixadas como legados pelos Jogos Olímpicos. Conta muito a responsabilidade que advém da expressiva visibilidade que o Brasil conquistou no cenário mundial. Os bilhões de expectadores e os milhares de visitantes que viram a face espetacular e admirável do nosso país enxergaram também nossas necessidades: novas respostas, caminhos diferentes, nos mais diversos âmbitos. Certamente, esses legados cobram as necessárias correções das muitas anomalias que incidem sobre o tecido cultural, responsáveis pela perpetuação de dinâmicas, modos e escolhas que atrasam progressos, alimentam privilégios, favorecem grupos com poder político e econômico e deseducam o povo, afastando-o de posturas cidadãs.

De modo simples e abrangente, cultura refere-se à maneira particular como o povo constrói suas relações, elege seus parâmetros de vida e conforma sua visão de mundo. É pela cultura que se compreende a própria vida, se configura o conjunto de valores e a consciência político-antropológica que permitem a um povo reconhecer o que é, valorizando o que possui. Assim, a dimensão cultural é determinante para o desenvolvimento da sociedade. No que se refere ao contexto brasileiro, fundamental é reconhecer a experiência histórica de uma nação com dimensões continentais e, ao mesmo tempo, resgatar patrimônios próprios de regionalidades, que integram uma diversidade de riquezas. Trata-se de caminho para os avanços fundamentais. Nesse sentido, os entraves na cultura devem ser seriamente combatidos, reconhecendo que cada pessoa nasce e se desenvolve em determinado contexto cultural já estabelecido, mas pode contribuir para fazê-lo avançar rumo a novos patamares.

Pode-se compor uma enorme lista de hábitos, modos de compreender, de reagir e de pensar a realidade que impedem novos passos na direção de conquistas fundamentais. São impeditivos de todo o tipo, a exemplo da resistência às mudanças. “Por que mudar? Sempre foi assim!” Eis uma observação muito comum de se escutar, que frequentemente revela resistência a novos projetos e a audaciosas propostas, por querer se manter na “zona de conforto”, muito comumente arquitetada pela mediocridade. Preocupante também é a baixa estima de um povo ou de uma região que se autodesprestigia, com jargões que desvalorizam microrregiões. Uma postura prejudicial à constituição de um conjunto harmonioso e rico, formado justamente pela diversidade. Terríveis são as práticas na política que reduzem o exercício da representatividade – na governança ou na legislatura – aos projetos partidários e grupais, em detrimento do interesse por conquistas maiores, que verdadeiramente objetivam o bem do povo.

Atravanco na cultura é a vesguice de, fincado os pés na própria terra, só enxergar o que está distante e apenas valorizar outras realidades culturais. Trata-se de problema crônico a incapacidade para reconhecer o próprio patrimônio, seu potencial, e tratá-lo com a inventividade que permita conduzi-lo a patamares de importância e de atenção reconhecidos por todos, dos mais diversos lugares do mundo. Não menos grave é a preguiça, o comodismo e o incompreensível gosto pela mediocridade, características que levam a pouca valorização do próprio patrimônio histórico, cultural e religioso.

Terrível é o transtorno de visão que parece reconhecer como bom apenas o que está “do lado de fora” do próprio território, comprometendo a criatividade audaciosa para cultivar a riqueza do patrimônio legado pela história e pelas singularidades da própria natureza. Destrutiva é a cultura da inveja e da disputa, que cria o costume de não ter gosto por valorizar o que é do vizinho – passageiro do mesmo barco -, criando segregações. Consequentemente, perde-se a força própria da articulação, do corporativo. Reconhecer esses males e superá-los exige o combate a tudo o que constitui atravancos na cultura.

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).