A velocidade acelerada das mudanças no mundo contemporâneo é reconhecida de modo consensual e, por vezes, há um sentimento de certa incapacidade para acompanhar as transformações, que se configuram em desafio, até mesmo para as sinapses cerebrais, com suas conexões em número maior do que o de estrelas em uma galáxia. Essa impressionante velocidade das mudanças vem da inteligência humana. Um fenômeno que, ao ser contemplado, permite constatar admiráveis avanços da tecnologia e da ciência, nos muitos saberes, com quantidade de conquistas, nas últimas décadas, que séculos inteiros foram incapazes de alcançar. Mas, surpreende e se configura em intrincado nó à inteligência contemporânea o nível destruidor do obscurantismo reinante na atualidade pelo mundo afora. Oportuno é evocar um remédio com força terapêutica para vencer esse mal: a humildade advinda da atitude de reconhecer o limite do próprio saber.

A admissão da ignorância torna-se um princípio ético e epistemológico de grande valia para combater os riscos da pretensão humana de se saber tudo. Particularmente, cura obscurantismos comprometedores de valores inegociáveis, a exemplo dos que sustentam a democracia e os princípios ético-religiosos promotores da solidariedade, do respeito ao bem comum e à dignidade humana. Deve-se, pois, reconhecer: junto à avalanche de conquistas científicas, tecnológicas, há certa soberba, que alimenta cegueiras e torna-se poder para gerar destruição, posturas fundamentalistas, nada dialogais, e rigidez incompatível com as mudanças necessárias à humanidade. Admitir a ignorância como condição humana é remédio para essa soberba, pois guarda no seu reverso uma indispensável sabedoria: o reconhecimento de que o próprio saber é limitado e insuficiente. Esse exercício de humildade permitirá aos cidadãos perceberem-se como aprendizes e tornarem-se inventores, descobridores ou promotores de inovações na construção de uma sociedade melhor.

A condição de aprendiz não deixa a soberba cegar e enrijecer as pessoas, inviabilizando processos participativos indispensáveis. Sem essa condição, surgem os que se iludem pensando tudo poder, mas são incapazes de promover as transformações que mudariam a realidade para melhor. Revelam a própria fragilidade em discursos confusos, personalistas, pouco humanistas, misturando a defesa de valores importantes com o extremismo – cai, pois, em contradição. Dessa falta de humildade daqueles que se julgam sabedores de tudo – e tudo poder – nascem pandemias que prejudicam a qualidade dos tecidos cultural, religioso e político-econômico de uma sociedade. As pandemias, ao invés de um castigo divino – pois Deus é amor -, são fruto da soberba, das ganâncias inescrupulosas, dos privilégios excludentes. Resultam também das indiferenças em relação aos pobres e vulneráveis, da cegueira diante da Criação, passando por cima do meio ambiente com criminosas depredações.

Fala-se muito na convid-19, pois é a pandemia que igualmente torna-se ameaça para todos, mas tantas outras são ignoradas. A pandemia da fome não incomoda diariamente os que têm mesa farta. A que se relaciona ao feminicídio permanece sem a devida atenção. Igualmente, a pandemia dos extermínios de indígenas e moradores de rua é tratada com descaso por significativa parcela da sociedade que, perversamente, considera melhor liberar os espaços ocupados por essas pessoas para atender outros interesses. O mundo parou por causa de um novo vírus, mas a necessidade de mudanças não é de agora. Tornou-se mais evidente o dever-desafio de se arquitetar mudanças no jeito de conviver, trabalhar, locomover-se, cuidar e compartilhar, incidindo sobre hábitos, dinâmicas e práticas, para vencer o autoextermínio. Trata-se de exigência à inteligência humana, à moralidade, à racionalidade e ao bom senso.

O obscurantismo irá patrocinar aqueles que vão se entrincheirar na ilusão de que tudo pode ser como antes. Continuarão convictos de que a pandemia da covid-19 foi apenas uma nuvem avassaladora que passou. E a ganância permanecerá a tutelar as práticas de quem compreende a economia como forma de ganhar muito dinheiro, ter sempre mais. No fim, serão apenas capazes de custear suas urnas funerárias caras, certamente de valor bem menor do que acumularam em uma vida marcada por ilimitada ambição. Quem se apegar ao obscurantismo permanecerá irresponsável em relação ao meio ambiente, desconhecendo que tudo está interligado. Continuará a validar o extrativismo e a depredação da natureza, produzindo contrarreações do próprio planeta, a exemplo desta pandemia que bate igualmente à porta de todos.

Uma convicção precisa residir nas mentes e nos corações: inicia-se novo ciclo que exige hábitos e práticas diferentes. Todos são desafiados a arquitetar mudanças. Lamentavelmente, muitos resistirão, de modo hercúleo, por querer garantir seguranças e comodidades, mas que, na verdade, são apenas bolhas. As resistências revelam ausência de um humanismo solidário, contudo os sinais indicam que o mundo precisa se reinventar. A sociedade tem o dever e a tarefa humanística, cultural, organizacional, espiritual e política de arquitetar mudanças.

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).