Conquistar um estilo de vida diferente é inadiável desafio inscrito na pauta da civilização contemporânea. Trata-se de clamor que não é novo, mas que ganhou ainda mais urgência ante o esgotamento humanístico e os adoecimentos enfrentados atualmente pela humanidade. De diferentes esferas que tratam o meio ambiente – conferências mundiais, fóruns internacionais, eventos e congressos – vêm indicações sobre a necessidade imediata de se conquistar renovado estilo de vida. Há relação entre os esgotamentos da natureza e as crises humanitárias, que geram pandemias e outros descompassos – ameaças à vida de todos, especialmente dos mais pobres.

Conquistar um estilo de vida diferente exige reconhecer a complexa e hegemônica realidade cultural da atualidade. Essa realidade tem força que é, ao mesmo tempo, avassaladora e sedutora, exercendo domínio em diferentes campos, sem mesmo poupar a ascese da vida religiosa. É quase impossível calcular os investimentos necessários para superar obscurantismos, proselitismos, fundamentalismos, exibicionismos, extrativismos, sectarismos. São graves problemas que se somam a tantos outros “ismos”, formando uma relação de superficialidades que desfiguram a preciosidade do dom de viver e a Casa Comum.

Eleja-se como ponto de partida na busca por outro estilo de vida superar o consumismo. Trata-se de um fenômeno alimentado de modo selvagem pelo mercado, que cria mecanismos compulsivos para levar pessoas a se submeterem aos gastos supérfluos. O Papa Francisco, na sua Carta Encíclica sobre o cuidado com a Casa Comum, afirma, de modo interpelante, que o consumismo obsessivo é o reflexo subjetivo do paradigma técnico-econômico contemporâneo. Obviamente, considerando os problemas atuais, são urgentes avanços na infraestrutura e na área da saúde para garantir celeridade à superação da pandemia e de seus desdobramentos econômicos. Mas não se pode contentar com paliativos: há de ser enfrentado o paradigma hegemônico, aquele técnico-econômico, que sustenta a ilusão de uma liberdade para consumir ilimitadamente.

O ser humano, dominado por esse paradigma, não consegue reverter processos destrutivos, permanece incapaz de adotar um modo de viver diferente. Por isso, a civilização contemporânea, no enfrentamento desta pandemia, precisa conquistar uma cidadania renovada, marcada por hábitos orientados pela simplicidade e pela leveza. Uma tarefa difícil, pois a cultura mundial parece se pautar pelos exageros, raízes de doenças e outros males. A humanidade deve, pois, cultivar compreensão de si mesma e desses exageros, a démarche dos processos de radicalização, para reorientar seus rumos, suas dinâmicas e fazer escolhas acertadas, sob pena de encontrar o autoextermínio. Permanecer sob o domínio da hegemonia do consumo é conviver, cotidianamente, com a ameaça de novas pandemias, agravadas pelas que ainda não foram superadas.

Faz-se necessário um estilo de vida diferente, asseverado por novos protocolos e providências que vão de pequenas atitudes a medidas estruturantes, com impactos mais amplos. Há muito a ser mudado. Basta pensar que ainda hoje, em uma civilização de tantos avanços tecnológicos, falta, a muitos, adequada educação sobre atitude básica de higiene: o ato de lavar as mãos.

De fato, o encastelamento na autorreferencialidade a que as pessoas têm se submetido, com consequências nefastas como a indiferença ou a idolatria do dinheiro, fermenta a voracidade que distancia todos de hábitos saudáveis, frugais, naturais, comprometendo vínculos, deteriorando e incapacitando para relações solidárias. Um novo estilo de vida não apenas resguardará a humanidade de fenômenos climáticos, de grandes desastres naturais ou mesmo de doenças desconhecidas – ajudará também a debelar crises sociais e políticas. Por isso mesmo, reconfigurar hábitos – do simples ato de sempre levar as mãos aos novos modos de consumo, convivência e trabalho – é imprescindível. Trata-se de uma necessidade deste tempo, demandando força de exemplaridade das instituições e dos segmentos da sociedade, na contramão de insanidades – em atitudes ou falas.

A meta que deve ser buscada é dar rumo diferente à humanidade a partir de novos modos de viver, a serem cultivados no diálogo, com o coração de aprendiz. Assim é possível conquistar, para cada realidade, na família, Igreja, instituições diversas e segmentos sociais, um estilo de vida diferente.

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).