Porque nos libertamos da escravidão no Egito.

E fomos enclaustrados em guetos.

E incinerados em Auschwitz

Lembramos Pessach para manter acesa á chama interna da liberdade, que nenhum poder consegue apagar se esta enraizada dentro de nós. Porque a saída do Egito não representa a garantia da liberdade, mas a consciência de seu valor, e a terra prometida não é um lugar de chegada, mas o espaço de nossa consciência que cabe a cada um e a todos juntos cultivar.

Escolhemos participar da tradição judaica pois ser judeu não é uma certidão outorgada por um estado, nem um clube ao qual devemos pedir autorização para entrar.

Mas um sentimento de mundo que não pode ser reduzido a uma única palavra, seja povo, religião, tribo ou família.

A tradição judaica é a sabedoria acumulada por milênios de sobrevivência como uma minoria.

Que pode nos enriquecer se fortalece nossa humanidade, e nos limitar se nos empurra ao isolamento.

Porque ser minoria exige conviver com crenças diferentes, dissonantes das nossas, ela nos ensina que todo problema tem varias soluções.

E que toda solução traz novos problemas, exigindo sempre sermos criativos.

Porque ser minoria nos ensina que devemos procurar entender o outro, que a convivência exige flexibilidade e não maniqueísmo. Pois ninguém tem o monopólio da verdade. E que nos oprimimos e oprimimos os outros quando acreditamos que existe uma única forma correta de estar no mundo, e que os outros devem ser nossos espelhos ou que devemos ser espelho dos outros.

Porque o futuro sempre pode ser melhor, com menos preconceitos, estigmas e opressão, apostamos no tikun olam, na melhoria da humanidade. Como lembra a Bíblia, em Pessach saíram do Egito não só os judeus mais também “outros povos”.

E se hoje temos o privilégio de viver em condições de liberdade e prosperidade únicas na história, devemos lembrar de que fomos perseguidos e não podemos ser cumplices de nenhum tipo de perseguição, que fomos estigmatizados e não podemos aceitar que alguém o seja, e que a ascensão social pode nos tornar insensíveis e arrogantes. Nunca deixando de lado o princípio no qual o Rabino Hillel sintetizou a Bíblia: “Não faças ao outro o que não desejas que façam a ti”.

Mas ser minoria também pode nos fragilizar, produzindo inseguranças e sentimentos de perseguição e isolamento, que nos desumanizam.

E o medo de perder nossa identidade pode induzir a querer congelar as mudanças, colocando cada coisa no seu lugar retornando a um passado mítico, em vez de criar novas formas de ver sentir o mundo, que expandam nossa capacidade cognitiva e emocional.

Por isso não devemos temer a convivência, pois ela não borra nossa memória, sem a qual não existimos. Pois toda memória individual se sustenta num passado que nos precede e um presente e um futuro pelo qual todos somos responsáveis.

O passado não pode ser desprezado, porque condensa a sabedoria que nos faz ser em boa parte quem somos, nem deve ser uma camisa de força que tolhe nossa criatividade e liberdade. Assim podemos dizer que:

O passado é uma luz que nos ilumina, mas não nos ofusca.
As diferenças nos enriquecem.
Está em nossas mãos criar um futuro melhor para todos pois nada é mais ilusório do que pensar que nossos seres queridos possam viver em paraísos enquanto outros vivem no inferno.
A luta contra a opressão nunca acaba.
E esta luta acontece em primeiro lugar nos nossos corações e mentes.
Porque estamos dispostos a melhorar e lutar por um mundo melhor, agradecemos:
Shehechyanu, ve´quimanau ve’higuianu lazman haze.
Que vivemos, que existimos, que chegamos, a este momento.

 

Bernardo Sorj
Sociólogo brasileiro, professor titular aposentado de Sociologia na UFRJ, diretor do Centro Edelstein e Plataforma Democrática.