Em um mundo onde os ataques contra os excluídos estão aumentando a cada dia, as alianças se tornam instrumentos decisivos para abordar estas questões. Este foi o motivo da convocação da Assembleia Mundial da Amazônia dois meses atrás, uma ideia que no primeiro momento surgiu da Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica – COICA, do Fórum Social Pan-Amazônico – FOSPA, e da Rede Eclesial Pan-Amazônica – REPAM, à qual se juntaram desde então milhares de pessoas e organizações.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
Em uma situação em que a vida está cada vez mais ameaçada, diante do descaso dos governos, é cada vez mais necessário articular o cuidado com a vida dos povos, algo que vai além do próprio evento da Assembleia Mundial pela Amazônia, que com a participação de milhares de pessoas foi realizada nos dias 18 e 19 de julho. Na realidade, é um processo que está começando, que conta com a presença dos espíritos da floresta e a memória dos antepassados, de tantos sábios que partiram nos últimos meses, vítimas da COVID-19.
Como demonstrado desde o início da assembleia, a força do Espírito da Criação tem estado presente como uma força transformadora. Daí surge o chamado para “amazonizar-nos em defesa da casa comum”, como enfatizou Moema Miranda, sabendo que nesta dinâmica “os povos indígenas são os que nos guiam, mas eles precisam de nossa ajuda”. Segundo a assessora da REPAM-Brasil, trata-se de construir uma nova realidade diante de um sistema ecocida e etnocida. Segundo ela, este é o momento de deixar claro que a morte não terá a última palavra, que o projeto dos poderosos, que rouba o futuro, não terá a última palavra.
A Assembleia Mundial pela Amazônia é um chamado a “se encontrar por caminhos diferentes em busca de um presente e de um futuro comuns, que é a vida”, como afirmou Gregorio Díaz Mirabal. Sabendo que “não somos iguais, somos interculturais”, o coordenador da COICA vê este momento como uma oportunidade para “mostrar a riqueza da diversidade da floresta amazônica e seus povos”, que estão unidos pela “dor, a emergência, a esperança, a rebelião”. Diante de um modelo de desenvolvimento que está doente, ele vê a assembléia como uma oportunidade de “buscar o equilíbrio para que nosso presente e nosso destino sejam melhores”, sabendo que “não é fácil, mas é possível”.
É hora de questionar “este modelo de desenvolvimento que prefere sangrar a Amazônia e seus povos, não queremos que nossa riqueza sirva ao bem-estar dos chamados países desenvolvidos, deixando poluição e doenças”, insiste Diaz Mirabal, que vê a necessidade de uma disposição para sentar-se e conversar. O líder indígena pede “despertar a consciência, promover a ação, precisamos de todos vocês, sem discriminação, a Amazônia precisa de nós juntos para começar uma luta e dizer que basta”. O objetivo é “que a consciência do Planeta comece a se mobilizar, que as ações comecem”, pois como ele denuncia, “este modelo está nos matando a todos, moralmente, espiritualmente e fisicamente”.
Em suas palavras, o Cardeal Barreto, vice-presidente da REPAM, que mostrou sua alegria por poder participar deste momento, disse “trazer a proximidade do Irmão Francisco como lhe dizem os povos indígenas, nós o amamos porque você também nos ama e nos convidou a participar do Sínodo”. O cardeal peruano quis ser “o portador desta presença de solidariedade da Igreja Católica com os povos originários da Amazônia, que estão neste ecossistema vivo, que toda a humanidade tem que cuidar”. Pedro Barreto denunciou a ganância, o extrativismo, a falta de respeito pela vida humana, como elementos que vêm destruindo a Amazônia e os povos originários.
Diante deste sistema tecnocrático que exclui e deixa as pessoas de lado, o vice-presidente da REPAM aponta que “os povos amazônicos, em sua diversidade, dão uma lição de unidade para o bem de todos, em uma ação conjunta diante dos grandes desafios que se apresentam hoje para a Amazônia, o que nos ajuda a sentir que da diversidade somos enriquecidos e que a diversidade cultural não é uma ameaça à unidade”. Barreto também denunciou “o etnocídio e o ecocídio, que continuam a ser vividos nesta época de pandemia, que não confina aqueles que querem destruir a beleza da Amazônia”.
Diante desta realidade, “é necessária uma ação conjunta para cuidar da vida e da natureza, na qual os povos amazônicos possam contribuir com um estilo de vida sóbrio que respeite a natureza e as pessoas”. O Cardeal lembrou que “Roma se Amazonizou no mês de outubro e foi deixado um sinal de que a Amazônia é importante para o mundo e aguarda uma resposta dos povos originários”. Além disso, ele deixou claro que “nosso irmão Francisco lançou este grito da Amazônia, que não é mais invisível, temos que agir juntos para tornar visível que a Amazônia é objeto de uma ação global conjunta”. Diante disso, ele pediu para ser concretizada em uma assembleia global de todos os povos originários do mundo. Mais uma vez ficou claro que “este é nosso compromisso como Igreja, aliada aos povos amazônicos, com vocês vivemos e também morremos, se necessário, mas Deus está do nosso lado”, concluiu o Cardeal.
Este tempo de pandemia é visto por Luz Mery Panche, representante do FOSPA, como um chamado para “parar um pouco nesta corrida louca que trazemos, para pensar como humanidade o que somos, se estamos dispostos a existir neste planeta ou se queremos destruí-lo”. Em um sistema capitalista que vem escravizando os povos amazônicos, a indígena colombiana vê a necessidade de “fazer uma revolução, este modelo de desenvolvimento não é o único que existe, devemos voltar à origem”, afirmando que “a economia não é a acumulação material, mas sim a recuperação do ser humano”. Esta situação está presente no atual modelo extrativista, incentivado pelos governos da região, em especial o brasileiro, como ressaltou Wemerson Santos, que apelou para uma ação comum que leve a ser construtores do bem viver.
A Assembleia também serviu para mostrar a realidade da Amazônia e seus povos, as ameaças que sofrem com os incêndios, grandes projetos agrícolas e minerais, combustíveis fósseis e a falta de estruturas de saúde e educação, algo que Sonia Guajajara diz ser uma conseqüência da política genocida do governo Bolsonaro, que ela vê como um incentivo para a pandemia, acabando com a vida dos povos indígenas, o que requer estratégias de enfrentamento. São realidades que se repetem em todos os países da Pan-Amazônia, onde os povos indígenas continuam sendo vítimas de racismo e violência, vítimas de um abandono sempre presente, mas que apareceu ainda mais claramente neste tempo de pandemia.
A assembleia, na qual estavam presentes as manifestações artísticas e culturais da região, contou com a contribuição do mundo científico, fazendo um chamado, nas palavras de Antonio Nobre, para despertar a “capacidade de observar a natureza com o coração, onde reside o amor, não apenas com a mente”. A primeira mulher indígena eleita como deputada federal no Brasil, Joenia Wapichana, definiu a Assembleia Mundial da Amazônia como um momento de reflexão e participação, algo urgente diante das indústrias extrativistas e do genocídio sofrido pela Amazônia no Brasil, com graves ataques aos povos originários, vítimas de um presidente que vetou um projeto de lei para atender aos povos originários e comunidades tradicionais, elaborado pelo deputada, negando o acesso à água potável, uma emergência em uma região onde os rios foram contaminados pelo garimpo, especialmente no território Yanomami, onde há uma estimativa de 20.000 garimpeiros ilegais, que levaram a COVID-19 para território indígena.
A assembleia também tem sido um momento de discussão, de busca de caminhos futuros em torno de três eixos, a COVID e seu impacto sobre as populações indígenas e amazônicas, o boicote de produtos, empresas, indústrias extrativas, negócios e acordos comerciais e, finalmente, um grupo de mobilização para determinar o plano de ação para os próximos meses. Uma ampla discussão, para a qual se registraram mais de três mil participantes, o que mostra o interesse despertado por esta Assembleia Mundial pela Amazônia, que pode ser um forte impulso na conscientização para a defesa de uma região que gera o oxigênio vital para um mundo que está se afogando, especialmente nesta época de coronavírus.
Luis Miguel Modino, Instituto Humanitas Unisinos