Enquanto não chega o “novo normal” vamos nos virando com a anormalidade dos dias que vivemos.
É Corpus Christi! Feriadão dos mais requisitados do ano, pois que sempre cai na quinta feira, certeza de uma emendada básica pra boa parte dos habitantes dessa Terra Brasilis.
Nas escolas onde trabalhei por quatro décadas era recesso aguardado com ansiedade. Fim de semestre, todo mundo já meio baleado, era um refresco no sufoco, antes das bimestrais.
Hoje, não…
Nesses dias estranhos, palavras antipáticas, como quarentena, isolamento, distanciamento, e estranhas, como lockdown, vem fazer parte da nossa nova rotina.
Impedidos de aproveitar as ofertas de pacotes turísticos, livres dos congestionamentos em rodoviárias, aeroportos e estradas, podemos, quem sabe, re-cordar (trazer de novo ao coração) o significado desse feriado religioso.
Rezava, por esses dias, a 1ª Carta de Paulo aos coríntios. No capítulo 12 ele compara a Igreja a um corpo que tem muitos membros. E finaliza dizendo: “Vocês são o corpo de Cristo…”.
Não sei se você reparou, mas o altar é uma mesa de refeição que ao longo do tempo foi sendo estilizada. Imagino a mesa comum, das primeiras comunidades cristãs, ainda clandestinas, nas casas das famílias. Em silêncio, repartem o pão. O cálice com vinho passa de mão em mão. “Tomai todos… comei… bebei…”.
Depois, com o cristianismo assumindo o lugar de religião oficial do império romano, o altar vai ganhando espaços arquitetônicos imponentes. As grandes catedrais medievais realçam o poder dos papas.
Dos altares barrocos das igrejas históricas, até os templos modernos dos nossos dias, é possível perceber a evolução estética e litúrgica em torno do sagrado. O convívio com o poder afastou o altar para bem longe do povo, lá no alto, como podemos conferir nas igrejas históricas ainda preservadas. O lugar era isolado por uma balaustrada de onde o padre celebrava de costas para a assembleia e em latim! O Concílio Vaticano II trouxe a mesa de novo para perto da comunidade.
Se eu fosse arquiteto e me coubesse desenhar o projeto de uma igreja, colocaria o altar, o ambão e a pia batismal no centro do templo.
É mais que uma mudança de lugar. É uma catequese.
Corpus Christi, como me lembra meu amigo e mestre, Adroaldo, “é um chamado urgente para que nos prostremos diante do Cristo, humilde e caminhante, que passa continuamente diante de nós, vestido de mendigo, desempregado, enfermo, faminto, solitário, abandonado, [à espera de uma vaga na UTI, num respirador]…
Esse Jesus nos convida a viver a Eucaristia, não como milagre nem como mistério, mas como lugar de encontro com os mais necessitados.
Que passem procissões com o Pão Eucarístico por nossas ruas, com a solenidade e pompa permitidas pela pandemia, mas, que pensará Jesus ao passar diante das casas onde hoje falta o pão? Que pensará Jesus ao passar diante de crianças que tem fome? Que pensará Jesus ao passar diante de homens e mulheres que o acompanham com o estômago vazio, sendo Ele mesmo o “verdadeiro pão”? Que pensará Jesus ao ser levado nos “andores” e carros alegóricos por pessoas que não conhecem a fome, enquanto, nas filas, estarão aplaudindo os que esperam o auxílio emergencial?…”
Hora de olhar para as nossas mesas. Não para ver o que falta, mas QUEM falta?
A quem precisamos convidar, talvez pelo perdão, quem sabe pela solidariedade fraterna, a compartilhar conosco do mesmo pão?
O ato de estar à mesa é, para nós, simbólico. A etimologia pode nos ajudar a entender melhor.
O termo ‘simbólico’ vem do grego. É a junção de duas expressões: “Sin”, quer dizer junto, perto, ao lado, e “bolós”, que significa movimentar, trazer, bailar.
Assim, SIMBÓLICO, numa tradução livre e ligeira quer dizer: trazer para perto, para junto…
Não por acaso, a palavra diabólico, também é a junção de duas expressões; “dia”, que quer dizer longe, distante, fora de, e “bolós” que, como vimos, é levar, movimentar, trazer, bailar.
DIABÓLICO, portanto, quer dizer dividir, separar, levar para longe.
O diabólico nos afasta uns dos outros, separa, gera conflito, intolerância, desunião.
( Lembrou de alguém?… )
O simbólico nos aproxima, une, convida à comum-união.
Vivesse o Jesus Histórico nos nossos dias e houvesse nascido numa cidadezinha do interior mineiro estaríamos celebrando a Eucaristia com cafezinho e pão de queijo e faríamos, quem sabe, o verdadeiro milagre eucarístico acontecer ao redor da mesa da vida…
Eduardo Machado
Educador, Escritor, apaixonado pelo ser humano, um católico que tenta, cada dia mais, tornar-se cristão.