Luís Corrêa Lima
A Conferência Episcopal Italiana publicou novas diretrizes para os seminários. Uma grande novidade dessas diretrizes é a admissão de candidatos homossexuais ao sacerdócio — desde que eles, assim como os demais candidatos, empenhem-se em viver a castidade no celibato. À primeira vista, este assunto é algo interno da Igreja Católica. Porém, há implicações sobre a imagem da pessoa homossexual, com consequências éticas e pastorais. Há duas décadas esta questão envolve controvérsias e agora um novo cenário se apresenta.
Em 2005, uma Instrução aprovada pelo papa Bento XVI afirmava que a Igreja não deve admitir ao seminário e à ordenação os que: “praticam a homossexualidade, apresentam tendências homossexuais profundamente radicadas ou apoiam a chamada cultura gay. Estas pessoas encontram-se, de fato, numa situação que obstaculiza gravemente um correto relacionamento com homens e mulheres”. E cabe ao bispo ou ao superior religioso chamar à ordenação depois de ouvir os encarregados da formação.
O cardeal que assina a Instrução afirmou, em entrevista, ser inoportuno ordenar candidatos homossexuais, ainda que haja sacerdotes de conduta exemplar com essa orientação sexual. Mas como a questão remete aos bispos locais e superiores religiosos, alguns deles se manifestaram com interpretações mais matizadas e flexíveis. O então presidente da Conferência Episcopal Alemã, cardeal Karl Lehmann, afirmou que se deve entender por tendências homossexuais profundamente radicadas não quaisquer tendências pelo mesmo sexo, mas aquelas que são um grave obstáculo a uma correta relação com os fiéis. Nesta linha, também as tendências heterossexuais profundamente enraizadas são um grave obstáculo.
O ex-superior geral dos dominicanos, Timothy Radcliffe, trabalhou em todo o mundo com bispos e padres, diocesanos e religiosos. Ele afirmou não ter dúvidas de que Deus chama homossexuais ao sacerdócio e que eles estão entre os sacerdotes mais dedicados e impressionantes que encontrou. Por isso, nenhum sacerdote que esteja convencido de sua vocação deve se sentir classificado pela Instrução como incapaz. E presume que Deus continuará chamando ao sacerdócio tanto homo como heterossexuais, porque necessita dos dons de ambos.
O papa Francisco reiterou a posição de seu antecessor, em 2016, e teve conversas com os bispos italianos a portas fechadas sobre este assunto. Em uma delas, no ano passado, ele comentou em tom de brincadeira que em certos seminários já existe muita “viadagem” (frociaggine). A frase se tornou pública. O papa, então, comunicou que nunca teve a intenção de ofender ou de se expressar em termos homofóbicos, e pediu desculpas aos que se sentiram ofendidos pelo uso do termo. Na época, bispos italianos explicaram à imprensa o que ficou claro para eles: Francisco não pretendia se referir aos homossexuais como tais, mas àqueles que, nos seminários, não mantêm a castidade.
Pouco depois, o papa escreveu a um jovem que afirmava ter sido expulso do seminário por se declarar homossexual. Francisco disse: “a Igreja deve estar aberta a todos. Irmão, siga em frente com sua vocação”. Recentemente, o papa tornou Timothy Radcliffe cardeal, o que revela notável apreço por este dominicano e suas posições.
As novas diretrizes dos bispos italianos para os seminários afirmam:
“No processo de formação, quando se faz referência às tendências homossexuais, também é oportuno não reduzir o discernimento apenas a este aspecto, mas, como para cada candidato, compreender o seu significado no quadro global da personalidade do jovem, para que, conhecendo-se e integrando os objetivos próprios da vocação humana e sacerdotal, alcance uma harmonia geral. No âmbito afetivo-sexual, o objetivo da formação do candidato ao sacerdócio é a capacidade de acolher como dom, de escolher livremente e viver responsavelmente a castidade no celibato”.
Essas diretrizes se somam às posições flexíveis já existentes de outros bispos e religiosos. Porém, há uma novidade. O documento foi aprovado pelo órgão pontifício responsável pelo clero em toda a Igreja Católica, que é o Dicastério para o Clero. Embora as diretrizes sejam válidas apenas para a Itália, suas posições têm uma apreciação positiva com sinalização universal. Se fossem posições perigosas ou inaceitáveis, jamais seriam aprovadas nesta instância.
É chegado o momento de reconhecer que pessoas homossexuais podem ser sacerdotes de valor, com integridade, zelo e responsabilidade. Assim como em outras áreas e profissões, a orientação homossexual não é empecilho e não deve ser vista como ameaça. Tratar desse assunto durante a formação sacerdotal, com transparência e maturidade, faz um grande bem e evita sérios problemas. É a oportunidade de acolher o dom de Deus, evitar discriminação indevida e colaborar para que a humanidade seja mais inclusiva.
Luís Corrêa Lima é padre jesuíta, professor da PUC-Rio e autor de “Teologia e os LGBT+”.